segunda-feira, 28 de março de 2011

David, Golias e a análise sistémica


Em Janeiro de 2010, o inequívoco interesse pela aquisição da Quinta do Relógio, levou o executivo da Câmara Municipal de Sintra a apresentar proposta afim à Assembleia Municipal, instância onde colheu autorização para concretização do negócio, apenas com votos contra do Partido Socialista. Tratava-se de coisa extremamente vultuosa, implicando dispêndio de muitos milhões de euros, que foi equacionada no quadro de um processo em que, igualmente, se articulava a aquisição do complexo de Fitares.

Tudo estava preparado para o recurso a soluções de sofisticada engenharia financeira que, por um longo período, se traduziria num serviço de dívida muito significativo, praticamente incomportável e muito dificilmente justificável, em relação a outros investimentos, esses sim, insofismavelmente indispensáveis e inadiáveis para resolução de alguns gravíssimos problemas de que Sintra continua a padecer.

Num momento particularmente crítico das finanças nacionais e locais, e, porque frontalmente contra aquele propósito da autarquia, fui dirimindo os argumentos que se me afiguravam como mais pertinentes. Fi-lo na justa mas sempre modesta medida das minhas possibilidades, durante mais de um ano, na remota esperança do sucesso do empenho, remando contra a maré e, de facto, nunca sentindo o conforto da espalda de atitudes análogas por parte dos eleitos locais.

Porém, há cerca de mês e meio, fui informado de que, afinal, a autarquia jamais concretizaria a negociação que propusera anteriormente. A notícia, embora informal, chegou ao meu conhecimento, com tais cuidados, que logo pude garantir a sua veracidade e, em simultâneo, como o inesperado volte-face era atitude definitiva e, portanto, sem possibilidade de retorno. Naturalmente, jamais saberei – e, para o efeito também pouco ou nada interessa saber – que quota parte de merecimento tiveram os meus esforços para tão feliz desenlace.

Neste momento, o que interessa sublinhar é que aquela atitude de David, nomeadamente através de uma série de textos na imprensa local e blogues, se desenvolveu no quadro que vai pautando a minha intervenção cívica de sempre. Desta vez, o poderoso adversário assumiu os contornos do bem oleado lóbi montado pela empresa internacional, proprietária da quinta. Mas, ao longo de tantos anos, Golias tem tomado, vai tomando formas inusitadas...

Vamos a outros casos. Veja-se, por exemplo, o que está acontecendo na Quinta do Vale dos Anjos, onde o Engº Pais do Amaral está a construir uma casa de grandes dimensões, mesmo defronte do Palácio de Seteais, a uma quota de nível mais elevado que a do edifício classificado e, para todos os efeitos, numa zona crítica onde tal projecto seria impensável. Seria, mas não o foi, na sequência e por via de pareceres favoráveis, de uma série de entidades oficiais, que não tiveram qualquer pudor em subscrevê-los.

Ou, na mesma zona, a poucos metros, lembremos o que sucedeu com a destruição do tanque da Quinta de Seteais, com o beneplácito do próprio IGESPAR! E, ainda, como foi possível pôr a funcionar o novel centro equestre, cujo picadeiro coberto está sob aquele intruso e alvíssimo pavilhão de tela. A ofensa local é de tal ordem que, em determinada perspectiva, na curva da estrada, chega a tapar a visibilidade do Palácio… Por hoje, e, como primeira intervenção neste blogue, tão bom anfitrião, ficar-me-ei por estes casos em cujo rol, infelizmente, muitos mais se inscrevem.

Impõe-se ter em consideração que lutar pelos interesses culturais, neste caso, de Sintra, pressupõe intervenção em terrenos nem sempre directamente afectos ao universo cultural. Nos episódios da Quinta do Relógio, da Quinta do Vale dos Anjos, no perímetro de Seteais, houve um trabalho de secretaria que quase carece de um secretário, tanta é a burocracia a desbravar.

Por outro lado, como prevalece a análise global e sistémica, tal significa que, por exemplo, a resolução de muitos problemas de correcto acesso a bens do património cultural edificado e natural está, a montante, inequivocamente relacionada com a solução da questão do estacionamento. Não esqueçam que, em si próprio, já constitui verdadeiro acto cultural o modo correcto e civilizado como se acede aos palácios, museus, auditórios e outros locais onde a cultura se estabelece e promove.

João Cachado


3 comentários:

  1. João Cachado,

    Gostaria de felicitá-lo pelas suas intervenções, sempre oportunas e esclarecedoras que, a pouco e pouco, vão tendo um impacto muito positivo na solução de situações que se prendem com os interesses culturais e o do património cultural de Sintra.

    Ana Oliveira

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  2. Caro João Cachado,
    Ainda bem que tem outro poiso onde poderei ler as suas intervenções. Estou muito preocupada com a situação na Pena, especialmente na maneira como se chega lá de automóvel e se estaciona tão perto. Em nenhum sítio civilizado acontece uma coisa destas. Arme-se em David e talvez consiga levar consigo mais alguma gente armada de fisgas e fundas para atacar este Golias.
    Joana de Ávila

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  3. Caríssimo,
    João,

    Leio sempre com agrado e utilidade as suas intervenções e considero-o bastante. Concordo inteiramente com a sua opinião. Esta sua análise é demonstrativa do contínuo desrespeito de alguns senhores pelos valores naturais e patrimoniais.
    Grato por partilhar connosco as suas ideias, conhecimento e sabedoria, de quem já cá anda há muitos anos a defender Sintra contra os “Golias”.
    Felicito-o por intervir neste novo espaço de diálogo.

    Saudações
    Paulo da Graça Lopes

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