sexta-feira, 15 de abril de 2011

Entre Quintas


A circunstância de, no texto precedente, termos ficado pela zona da Regaleira, vai permitir que nos internemos um pouco pelos caminhos mais próximos. Estou em crer nada arriscar. Muito pelo contrário, convencidos de que, ao procurar estas linhas, o leitor quer continuar a viver uma Sintra que insiste em permanecer além do tempo, então, iremos ao seu encontro propondo um pequeno passeio entre quintas.

No entanto, antes de iniciar, não consigo deixar de insistir no regozijo por não se ter concretizado, por parte da Câmara Municipal de Sintra, o famigerado negócio de aquisição da Quinta do Relógio. Por todas as razões que tive oportunidade de suscitar, traduziu-se o feliz desenlace por mais uma atitude a crédito do Presidente Fernando Seara que, felizmente, foi capaz de discernir quanto à necessidade de emendar a mão naquele passo, tão crítico e errado, em que a autarquia estava prestes a incorrer.

Enfim, ainda animados pelos positivos sinais daquela resolução, e para que não percamos o fio à meada, eis que vos convoco para o largo adjacente à Quinta do Relógio, em frente do arabizante e tardo-romântico palacete, onde D. Carlos e D. Amélia passaram a lua de mel. Encontremo-nos junto à frondosa sobreira dos fetos que a rainha tanto prezava. Como já se terão dado conta, nada ali existe que, a título de informação muito sucinta, possa esclarecer a nobreza desta árvore que, além deste episódio de régia estima, foi tão singularmente querida e cantada por escritores nacionais e estrangeiros, como Robert Southey ou Hans Christian Andersen.

Sobreira dos Fetos

Em toda a Sintra, esta crónica falta de informação, junto aos lugares de interesse, constitui uma pecha que, mesmo em termos de investimento material, facilmente se remedeia. Venho chamando a atenção para a necessidade de colmatar a falta, passando a promover uma expedita rede de esclarecimento, in loco, muito conciso e operacional. Convém não desistir porque, um belo dia, acabarei surpreendido com a colocação das placas informativas que tenho preconizado, ao longo de anos, até agora, sem êxito.

Vamos começar o percurso. Além dos odores libertos pela vegetação primaveril circundante, ainda deverão sentir uns resquícios de cheiro a alcatrão, que vão confirmar, baixando os olhos para o tapete de negro asfalto ali recentemente aplicado. E, ao aceitar o convite que vos fiz, acompanhando-me no passeio que o título deste escrito vos sugere, hão-de verificar que esta pavimentação é coisa muito recente pois, em sentido descendente, também beneficiou a Rua Trindade Coelho.

Rua Trindade Coelho, bordejando a Quinta da Alegria

Outro trecho da Rua Trindade Coelho

De um e do outro lado do caminho, logo começam a aparecer as quintas. Primeiramente, à direita, avistando duas casas mais recentes, ainda estamos nos domínios da Quinta do Relógio e, logo contígua, segue-se a Schindler enquanto, do outro lado, estão os limites murados da Villa Roma. À medida que prosseguimos, agora ladeando os baixos da Quinta da Alegria, já não sentimos o reboliço do estacionamento, à trouxe-mouxe, dos carros que até ali trazem os visitantes da Regaleira.

Quinta Schindler

Voltando à esquerda, percorridos que estão cerca de trezentos metros, e deixando o recente alcatroado, já estamos no designado Caminho da Fonte dos Amores. Até há cerca de trinta anos, era possível aceder ao local onde, em 1840, Clémentine Brélaz desenhou a «sua» Fontaine des Amours. Ir em demanda de tal cenário, equivaleria à busca do tempo perdido sem que, para o efeito, tivéssemos de pedir a Marcel Proust o auxílio que tal nostálgica procura nos suscita…

Placas toponímicas

Trecho do Caminho da Fonte dos Amores

De qualquer modo, insistimos. E não nos arrependemos. Como poderia isso acontecer se o enquadramento é perfeito e tudo propício ao lento desfrute? Passando pela Quinta da Boiça, dirigimo-nos à do Pombal onde o caminho termina. Antigamente, também só continuava porque os portões permaneciam abertos... Mais um salto no tempo e a boa memória da entrada livre, indo até ao ermo ameno da extinta fonte, onde tantos de nós bebemos a água das primícias de amores que despontavam, sob torcidos e retorcidos troncos de árvores inusitadamente copadas, concedendo as mais frescas e apetecidas sombras.

Quinta da Boiça

Quinta do Pombal

Regressemos. No fim da mesma rua, à esquerda, entramos numa descida muito pronunciada. E já retomámos o alcatroado que ainda só tem quinze dias de aplicado. A sensação não pode ser melhor. Afinal, este é precisamente o mesmo Caminho dos Frades que, até há uns dias, estava totalmente esburacado, onde água pútrida purgava de um cano de esgoto roto, exalando um cheiro nauseabundo em dias mais quentes. A meio da descida – e não esqueçam que continuamos entre quintas – vamos deparar com um singular monumento do século XVI.
(Continua)

João Cachado

1 comentário:

  1. Conheço bem esta zona de São Martinho. Penso que fez bem salientar a melhoria do caminho mas nos Castanhais continua tudo na mesma o que é uma pena. Espero que escreva acerca dessa parte do percurso entre as quintas.

    ResponderEliminar