terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Para Memória Futura


Na minha memória registo o momento em que o conheci, há mais de 20 anos, era eu uma jovem professora de Francês e Português, numa das Escolas de Lisboa, onde fui construindo a minha carreira de quase 30 anos; com outras colegas de Português, vim a Sintra, acompanhar algumas Turmas de Português, do 11º ano, para um Roteiro Queirosiano, na Vila.

Encontro junto ao Hotel Tivoli, para um passeio guiado, pela obra de Eça de Queirós, através da voz envolvente, do estilo seguro mas descontraído de um homem, profundo conhecedor d'Os Maias, cujas palavras me prenderam, do início até ao final na escadaria do Jardim de Seteais e me fizeram sentir que ser professor, estava muito para lá do que, academicamente, tinha aprendido.

Constatando a forma como o seu discurso e o conhecimento profundo do espírito de Eça, prendiam a atenção dos alunos, foi ali que aprendi a gostar de ensinar literatura e sei que para muitos alunos, esta experiência foi marcante, no desenvolver do gosto pela leitura e sobretudo, pela interpretação dos textos literários, pelo «colocar-se»dentro do texto, para melhor o entender, no contexto social, cultural ou político em que se insere.

A sua voz, singular, peculiar e única, ficou registada na minha memória e, alguns anos mais tarde, noutra escola, organizei nova visita a Sintra e mais um roteiro, com outros alunos, agora de uma escola de Cascais, que vieram alterar aqui a sua opinião inicial, perante um texto de leitura obrigatória, graças, mais uma vez, à intervenção deste homem, ímpar que, ao serviço da Câmara de Sintra, influenciou gerações de jovens, no despertar do espírito crítico e no respeito pelo património literário nacional.

Em 1999, voltámos a encontrar-nos, de novo, agora como colegas ao serviço da Edilidade sintrense e quase de seguida, nas lides políticas e partidárias no nosso concelho; em tudo, o historiador sobressaía e nas intervenções políticas, a carga literária, a competência e qualidade das intervenções, acabaria por solidificar, uma admiração, «contraída» há muito, qual «malaise» perfeitamente assumido e acarinhado até.

Infelizmente para Sintra e para tantos estudantes deste país, este poço de conhecimento, deixara de acompanhar os roteiros queirosianos e outros e apenas, em momentos específicos, partilhava com algumas pessoas, o resultado dos seus estudos ou das pesquisas que nunca deixou de fazer. Na calha das suas inúmeras capacidades e competências, ficara uma série histórica, por falta de financiamento e inúmeros projectos se foram sucedendo, nem todos com o sucesso merecido.

O tempo foi passando, a admiração crescendo e daí à cumplicidade que se estendeu à mulher da sua vida que cedo adoptei como amiga do coração foi um pulo e depois, como um processo absolutamente natural, os meus filhos e os seus filhos, começaram a construir e desenvolver entre si e com os pais, uma relação tão sincera e profunda de amizade e carinho, como se sempre tivessem feito parte de uma mesma família.

Não sei como seria se não pudesse contar com o apoio, solidariedade e amizade destas pessoas tão especiais, seres humanos de excepção, que têm tido e, decerto vão continuar a ter, um papel tão importante na minha vida mas ultrapassando a esfera do meramente pessoal, só quero dizer neste texto, que ninguém me encomendou mas que espontaneamente do coração brotou, que não posso aceitar que a este homem, o meu amigo João Rodil, não seja dado o devido valor e concedidas mais oportunidades profissionais, nas quais possa partilhar com a comunidade, o saber imenso que quer a nível histórico, em tudo o que concerne Sintra e não só e a nível literário, ele detém como ninguém.

Está a perder Sintra, por não lhe proporcionar esses momentos, estamos a perder todos nós por não podermos aprender mais com ele.

Dói-me muito quando uma pessoa com este valor, faz conferências e encontros sobre autores literários ou historiadores e as salas não estão cheias, porque não houve uma aposta real na divulgação. Dói-me pensar que o João não pára de investigar e que tudo conhece sobre Sintra, não encontra eco na necessidade de se publicar para memória futura.

Eu e os meus filhos, não temos do que nos queixar, pois temos este enorme privilégio de ter os Rodil, como amigos-irmãos...e temos memória!

Margarida Mota
Professora

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